Cadastro Positivo foi o principal tema da entrevista do advogado David Nigri, na coluna Defesa do Consumidor do Jornal O Globo. Com tanta repercussão, a matéria também foi publicada no Jornal Extra.
O especialista em Direito do Consumidor discutiu as mudanças nas regras de sigilo bancário de forma compulsória. O projeto de Lei Complementar 122/2017, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e na Agência BC+ reúne as medidas do Governo para reduzir o custo do crédito e melhorar a eficiência do sistema financeiro.
Segundo o advogado David Nigri, se houver vazamento das informações, o consumidor pode assumir o pagamento de um serviço que não contratou.
Após o processo ganhar repercussão na imprensa nacional, uma aposentada de 96 anos, cliente do escritório David Nigri Advogados Associados venceu a batalha judicial contra a seguradora Tokio Marine e o banco Santander que estavam cobrando por um seguro inexistente. Confira a sentença na íntegra.
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Confira a reportagem na íntegra:
Matéria do Jornal Extra
As discussões sobre mudanças nas regras do sigilo bancário e do cadastro positivo estão avançando, tanto no âmbito do governo federal como no Congresso Nacional. A movimentação, no entanto, tem deixado em alerta os órgãos de defesa do consumidor, que cobram mais transparência sobre os procedimentos e como as informações pessoais dos consumidores serão tratadas.
As mudanças estão inseridas no projeto de lei complementar 122/2017, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e na Agenda BC+, que reúne medidas do governo para reduzir o custo do crédito e melhorar a eficiência do sistema financeiro. Entre as propostas do PL 122 está a inclusão de um inciso ao artigo que trata do sigilo bancário, pelo qual o compartilhamento de informações para a formação e consulta em bancos de dados, como a adimplência de pessoas ou empresas, não constitui violação do sigilo.
Tanto o projeto de lei como as propostas do governo estabelecem mudanças na maneira como o cadastro é constituído, com os dados passando a ser incluídos de forma automática, deixando ao consumidor a possibilidade de solicitar a exclusão de suas informações a qualquer momento. Hoje, é necessária a autorização prévia do consumidor para ter suas informações inseridas no banco de dados, o que, segundo especialistas, explicaria a baixa adesão ao cadastro positivo. Desde que a lei que criou o cadastro entrou em vigor, há cerca de cinco anos, apenas 5,5 milhões de pessoas foram cadastradas.
— A adesão compulsória expõe dados e o sigilo bancário das pessoas. Os benefícios só serão possíveis se houver transparência, regras claras e critérios objetivos, com consumidores informados sobre a política de crédito dos bancos — diz Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
limites na difusão de informações
Advogada especialista em defesa do consumidor, Maria Inês Dolci reforça que a maior preocupação é com os limites na coleta, no armazenamento e na difusão dos dados dos clientes:
— Passando a ser compulsória, existe o temor de se abrirem dados sigilosos, que podem ser usados para outras finalidades.
A grande questão é que a lei que criou o cadastro — a 12.414 — permite que os bancos forneçam às empresas de análise de crédito informações para a formação de histórico de pagamentos e empréstimos dos consumidores, mas a que trata do sigilo bancário não regula tal permissão. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirma que os bancos são os maiores interessados na ampliação do crédito, em bases sustentáveis, e têm discutido com as autoridades maneiras de eliminar fatores que elevem o spread (diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar dinheiro no mercado e os juros que cobram dos clientes) e a melhor forma de compartilhar os dados dos clientes.
O advogado David Nigri vê as mudanças como “uma faca de dois gumes”, pois, ao mesmo tempo em que beneficia o consumidor, facilitando a aprovação do crédito e a redução na taxa de juros, pode gerar graves problemas para quem não tem um acompanhamento especializado:
— Se houver vazamento de informações, com conivência do banco, o consumidor pode vir a pagar por um serviço que nunca contratou.
Foi o que aconteceu com a mãe do advogado, a aposentada Rachel Nigri, de 95 anos, que teve os dados da conta de sua empresa no Santander utilizados indevidamente na contratação de um seguro residencial junto à Tokio Marine Seguros. Por cinco anos, foram descontados, mensalmente, R$ 150. Depois de muito reclamar, finalmente o banco confessou ter fornecido as informações sem a autorização da correntista. O valor total descontado com juros e correção monetária é superior a R$ 25 mil. A seguradora devolveu parte do dinheiro, mas Rachel ingressou com ação na Justiça para pleitear a devolução em dobro, além de danos morais.
— Por isso, acredito que o projeto de lei será um “tiro no pé” do correntista. Sem ter carta branca, os bancos já fazem essa invasão, tendo o cadastro positivo inteiramente à disposição, o estrago pode ser maior — comenta David.
Procurados, Santander e Tokio Marine disseram que não se manifestam sobre casos que se encontram na Justiça.
O fim da responsabilidade solidária também está sendo debatido. A lei em vigor exige a solidariedade entre todos os atores econômicos envolvidos. Mas, com a mudança, somente a instituição que causar dano ao cadastrado poderá ser responsabilizada. A medida, segundo Ione e Maria Inês, constitui um risco e viola o Código de Defesa do Consumidor:
— Todos são responsáveis pelo mau uso dos dados cedidos pelos bancos até que se prove a culpabilidade daquele que gerou o dado — diz Maria Inês.
O Banco Central informou que também está em estudo a disponibilização da nota de crédito do cadastrado, mas só com a autorização prévia do consumidor. O governo propõe, ainda, que sejam incluídos nos bancos de dados informações relativas à adimplência de pagamentos de serviços públicos, como água, luz e telefone.
Análise mais assertiva
Os birôs de crédito, como Serasa e Boa Vista SCPC, veem as propostas de maneira positiva, pois elas destravam a implantação do cadastro positivo. E lembram que, no Brasil, ao contrário de países desenvolvidos e vizinhos da América Latina, o consumidor é avaliado em função do histórico de dívidas não pagas, sendo que a maioria dos consumidores paga suas contas em dia.
— As informações positivas, ou de adimplemento, viabilizam uma análise mais assertiva por parte do credor, reduzindo os riscos na concessão de crédito, o que permite reduzir as taxas de juros praticadas — afirma Pablo Nemirovsky, superintendente de Serviços ao Consumidor da Boa Vista SCPC.
Vander Nagata, vice-presidente de Informações do Consumidor da Serasa, lembra que o Brasil é o único país que não opera com cadastro positivo.
— O cadastro negativo é a informação mais sensível que se tem. Estamos acostumados a compartilhar a parte ruim do consumidor, ao contrário de países como Estados Unidos e Inglaterra, onde se enxerga o todo. Se a pessoa honra os outros compromissos, a inadimplência pontual não é importante — diz Nagata, acrescentando que a lei do cadastro como é hoje, com a exigência de autorização por parte do consumidor, está fadada ao insucesso. — As medidas do governo seriam a solução. É uma reforma de que o país precisa.
Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio, ressalta que os dados de uma pessoa têm um valor absurdo e compartilhá-los sem anuência dela é perigoso:
— O cadastro positivo já existe, e não vi nenhum impacto da diminuição de juros para quem tem um score bom.
O cadastro positivo foi tema de reunião, na última terça-feira, entre o secretário nacional do Consumidor, Arthur Rollo, e o Ministério da Fazenda, que apresentou o barateamento do spread bancário como uma das principais vantagens com a implantação do novo sistema.
— A circulação será do score, não das informações bancárias e financeiras. O consumidor terá como aferir quais dados foram considerados para sua nota e poderá solicitar sua correção — informa Rollo.
Fonte: O Globo